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Entrevista com Anish Giri: 'O Xadrez É Extremamente Psicológico'
Anish Giri. Foto: Maria Emelianova/Chess.com.

Entrevista com Anish Giri: 'O Xadrez É Extremamente Psicológico'

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| 51 | Enxadristas

Anish Giri conta a David Cox sobre a educação multicultural que moldou o seu talento no xadrez, por que a mídia social tem sido importante para o jogo e os momentos em que ele acredita que pode se tornar campeão mundial.

Como o atual número quatro do mundo, Anish Giri é um dos jogadores de xadrez mais conhecidos do planeta. Mas isso não é apenas por causa de sua habilidade em relação ao tabuleiro. O holandês construiu um rápido crescimento no Twitter, graças à sua inteligência e vontade de interagir com todos, desde brincadeiras com seus fãs até troca de farpas com seus rivais, mais notavelmente o Magnus Carlsen.

Mas Giri não brinca quando se trata do jogo. Como um prodígio do xadrez que passou pelo lendário sistema de xadrez russo, antes de se mudar para o Japão e depois para a Holanda, Giri já foi o mais jovem grande mestre do mundo. Nos últimos anos, ele se transformou em um dos jogadores mais temidos do circuito, dividindo o primeiro lugar com Carlsen no super-torneio Wijk aan Zee de 2018 e chegando a poucos pontos de ultrapassar os 2800 de rating.

A entrevista foi feita via Skype e o texto pode ter sido editado para maior clareza.

Anish Giri. Photo: Maria Emelianova/Chess.com.
Anish Giri. Foto: Maria Emelianova/Chess.com.

Chess.com: Você agora representa a Holanda internacionalmente, mas você cresceu em muitos países. Você se considera holandês?

Anish Giri: É interessante. A maioria das pessoas que eu conheço tem uma identidade nacional muito clara e eu sinto o quão ligadas elas estão à sua nacionalidade pela maneira como falam. Como jogador de xadrez, eu me desenvolvi principalmente na Holanda; Eu me tornei um jogador forte e dei todos os passos mais importantes lá - me tornar um grande mestre, representar a equipe nacional. Então, como enxadrista, certamente me sinto holandês e sou imensamente grato pelo apoio que recebo na Holanda, dos meus patrocinadores, bem como da Federação Holandesa de Xadrez, que é apoiada pelo Comitê Olímpico Nacional.

Porém, no nível pessoal, é difícil para as pessoas entenderem, mas eu tive um histórico internacional tão precoce que não sinto uma ligação especial com o hino nacional ou com coisas desse tipo. Como pessoa, eu realmente não me conecto a um país. Eu acho que isso é natural se você viaja muito quando criança.

Essa formação multinacional ajudou a moldar você como jogador?

Eu fui muito sortudo. Minha mãe era Russa e meu pai Nepalês, então eu cresci com ambos, a cultura e genética do xadrez. E aprender o jogo na Rússia, onde há muitos treinadores que sabem como orientar as crianças e quais livros estudar, ajudou muito. Eu estudei todos os jogos clássicos desde cedo, e experimentei a dura competição entre as crianças russas, que é muito mais feroz do que muitas outras competições infantis. Mas, ao mesmo tempo, também tive a sorte de me mudar para a Holanda no momento certo, devido ao trabalho do meu pai, e isso me deu muitas oportunidades. Se tivéssemos ficado na Rússia, teria sido mais difícil para eu ter todas essas chances. Eu joguei com um monte de grandes mestres imediatamente, e eu também joguei o torneio Wijk aan Zee muito rapidamente.

Falando da competição acirrada na Rússia, o quão difícil é, e como isso ajuda os jogadores que alcançam o topo?

Você pode ver que a mentalidade dos atletas russos é um pouco diferente das dos países ocidentais. E, na minha opinião, isso explica por que há tantos vencedores russos no Campeonato Europeu Individual e na Copa do Mundo. De alguma forma, os jogadores russos são particularmente bons em se qualificar para alguma coisa. E acho que isso acontece porque, durante a juventude, eles já estão se qualificando. Eles são muito bons sob pressão, e em situações em que você tem uma disputa acirrada entre um monte de gente, cada meio ponto é importante, e você não pode se deixar abater.

Você frequentemente vê os jogadores russos emergirem no topo. Agora acontece o mesmo na Índia com toda a competição entre as crianças pequenas. Considerando, em contrapartida, gênios como Magnus Carlsen que surgiram do nada no lado ocidental. Cada cenário tem suas próprias vantagens e desvantagens. Os jogadores que saem de países sem uma real cultura de xadrez, às vezes, têm um pouco mais de talento e inspiração, e obtêm mais oportunidades desde o início. É como o garoto alemão Vincent Keymer, que logo jogará no torneio de Grenke contra Magnus. Enquanto que na Índia há, provavelmente, cinco jogadores com a mesma força dele, e exatamente por causa disso, vai demorar um pouco para encontrarem o Magnus.

Você já foi o mais novo grande mestre do mundo, aos 14 anos. O que foi necessário para conseguir isso? Quão longe você pensa que isso vai? Será que algum dia veremos um grande mestre de 10 anos de idade?

Essa é uma boa história para contar, mas eu não acho que isso seja importante. Você tem que ter muita sorte para se tornar um grande mestre tão cedo. É difícil dizer até onde você pode ir, já que precisa melhorar, aproveitar as oportunidades para jogar torneios onde você pode conseguir as normas, e também há muita pressão sobre as crianças, pois há um limite de tempo, elas estão correndo atrás de um recorde. Ninguém quebrou o recorde de Sergey Karjakin [Ed. nota: 12 anos, 7 meses] ainda. Mas isso pode acontecer.

Agora é muito mais fácil ter acesso ao conhecimento do que há uma década, e as engines são muito mais fortes e você pode aprender mais com elas. Mas, para ser honesto, a conquista não é tão grande quanto parece, já que as crianças que são tão boas, tão jovens, têm objetivos muito mais ambiciosos. Elas pretendem lutar pelo título mundial. E chegar ao topo leva tempo, já que você precisa de experiência. Você tem que enfrentar algumas situações as vezes e precisa falhar em algumas para aprender a lidar com elas.

Você já descreveu os jogadores de xadrez como atletas. Você vê o xadrez mais como um esporte ou como um jogo?

Para mim, o xadrez que estou jogando agora é absolutamente um esporte e considero a mim e aos meus oponentes como atletas. Os melhores jogadores de xadrez são como os outros atletas, concentrando-se no jogo e em tudo o que eles fazem, como eles passam o dia está diretamente direcionado para o seu objetivo final. Mas de certa forma, é claro que o xadrez é mais do que isso. Tem um papel especial em diferentes culturas e na sociedade. Então, nesse sentido, descrever o xadrez apenas como um esporte é injusto com o jogo.

Anish Giri. Photo: Maria Emelianova/Chess.com.
Anish Giri. Foto: Maria Emelianova/Chess.com.

O xadrez tentou no passado entrar nas Olimpíadas. Isso é algo que você gostaria de ver?

Eu não sei o quanto isso é importante para o xadrez. Eu não acho que as Olimpíadas sejam essenciais para popularizar e crescer o jogo. Já existe um boom do xadrez na Rússia graças ao Karjakin e suas tentativas de se tornar campeão mundial, e na Índia há um gigantesco boom do xadrez, milhares de crianças brincando e seus pais dedicando-se totalmente às suas carreiras. E a internet tem sido muito importante. O fato de que agora você pode acompanhar jogos on-line, com comentaristas e programas de análises de xadrez, permitindo que qualquer pessoa avalie a posição sem precisar entender as sutilezas, ajudou a levar o xadrez a um público maior.

Você é um dos perfis mais ativos do Twitter do xadrez de elite. O que você mais gosta no Twitter?

O mundo mudou e agora Donald Trump está anunciando as notícias do mundo no Twitter, então você com certeza deveria estar conectado lá! Mas para mim, é uma maneira de relaxar. Eu estou trabalhando bastante no xadrez e eu não bebo álcool, então essa é uma das coisas que eu faço para me divertir. Nunca foi minha intenção ganhar seguidores, mas isso definitivamente parece levar o xadrez para mais pessoas.

Às vezes, ao ler suas trocas no Twitter, parece que há uma certa rivalidade entre você e Magnus, e até mesmo Hikaru Nakamura. É esse o caso?

Não temos problemas reais nem nada. Às vezes, o meu sarcasmo ou o do Magnus pode não ser percebido pelas pessoas. Ocasionalmente, nós atacamos um ao outro com piadas, mas acho que está tudo bem. Em geral, o relacionamento entre os jogadores de xadrez de alto nível não é fácil de descrever, porque devido à competição, há muita tensão entre eles. Mas isso não deve ser confundido com ódio genuíno.

Quando se trata de rivalidades esportivas, você só deseja que o outro cara estrague algo e pronto. Então, enquanto eu desejo ao Magnus, ao Hikaru e a todos muita saúde e um casamento feliz, eu também fico muito feliz em vê-los errar. E isso acontece nos dois lados. Tenho certeza de que o Magnus e o Hikaru não me querem mal, mas tenho certeza também de que, quando perco um jogo, eles estão pulando em seus quartos de hotel, gritando de felicidade.

Com o xadrez sendo um jogo tão psicológico, os melhores jogadores fazem coisas para se colocarem no lugar um do outro?

No topo, é extremamente psicológico. Para ter o melhor desempenho, você precisa se sentir no seu melhor, e qualquer coisa pode deixá-lo desequilibrado. Então você tem que aprender todos os tipos de truques e armas psicológicas para permanecer nesse estado mental ideal e não se distrair com seus inimigos. Todo mundo está constantemente tentando obter alguma vantagem. Isso acontece antes dos jogos, entre os jogos e durante os jogos. A linguagem corporal também é muito importante. Às vezes você pode ver que os jogadores de xadrez têm boas e más atitudes inesperadas. Essas coisas têm uma explicação. Assim como os tenistas sofrem lesões, que os eliminam por alguns meses, os jogadores de xadrez podem ser eliminados por uma lesão mental. Eu já vi muitos desses casos no alto nível.

Conte-nos sobre algumas das guerras psicológicas que acontecem.

Os jogadores que conheço se comportam de forma decente, mas os truques não precisam ser sujos. Existem alguns jogadores que ocupam muito espaço no tabuleiro. Fisicamente, eles espalham seu corpo um pouco e começam a agarrar o espaço na mesa, o que pode ser subconscientemente intimidante para alguns. Ou os jogadores podem levantar-se do tabuleiro muitas vezes, ou de repente começar a fazer movimentos muito rapidamente. Um artifício comum é indicar que um movimento não é bom através de expressões faciais. Isso é muito comum na elite. Então são todas essas pequenas coisas da linguagem corporal. Também em entrevistas ou durante coletivas de imprensa, muitos jogadores tentam cutucar de leve os outros jogadores.

O mais perto que você chegou do título mundial até agora foi na sua participação no Torneio dos Candidatos 2016, onde você empatou todos os 14 jogos. Conte-nos sobre essa experiência.

Essa foi a minha primeira experiência, e talvez eu estivesse um pouco nervoso, mas de um jeito ou de outro, perdi muitas oportunidades de brigar pelo primeiro lugar. Eu estava tão perto de ganhar um jogo e não consegui. Se eu ganhasse um ou dois jogos, estaria perto de ganhar o torneio, mas teria enfrentado um novo desafio mental, o qual não tenho certeza se estava preparado. Mas, na minha opinião, o mais perto que cheguei do título mundial não foi realmente lá.

Houve alguns torneios onde eu realmente pensei: "Eu posso fazer isso um dia". Eu me lembro da Copa do Mundo de Xadrez em Baku em 2015, onde eu cheguei até a semifinal. Em algum momento, enquanto ganhava, partida após partida, senti que a Copa do Mundo, assim como os Candidatos, era totalmente realizável e provavelmente eu vou me tornar campeão mundial em breve. Este pensamento está sempre indo embora e voltando. Confiança é uma coisa muito sensível.

Anish Giri. Photo: Maria Emelianova/Chess.com.
Anish Giri. Foto: Maria Emelianova/Chess.com.

Desde então, você enfrentou inúmeras piadas sobre os empates, apesar de estar envolvido regularmente em jogos emocionantes. Isso chega até você?

Naquela época, era muito engraçado porque eu tinha todas aquelas chances e não conseguia convertê-las, e todo mundo estava rindo comigo, tipo: "Como é possível que nenhum desses jogos acabe em um resultado?" Mas, em algum momento, muitas pessoas não sabiam como tudo começou e comentaram no Twitter sem antes saber o que aconteceu. E é um pouco frustrante quando as pessoas que não têm ideia do assunto falam sobre algo. Mas isso não é sério.

Se você é afetado pela mídia social nos dias de hoje, me desculpe, mas você não está apto para este século! Outro dia eu li um artigo sobre Tigran Petrosian, e eu nunca soube disso, mas o cara quase se aposentou em um certo momento porque ele foi intimidado por ter muitos empates. Agora pensamos nele como "Iron Tigran", o grande campeão mundial. Mas em algum momento o cara estava pensando em desistir. Ele teve sorte que não havia Twitter naquela época, caso contrário ele simplesmente iria desmoronar! (Risos)

Falando em ex-campeões mundiais desistindo, você ficou surpreso com a aposentadoria de Kramnik no início deste ano? Você trabalhou como segundo dele no Candidatos do ano passado e o conhece muito bem.

Isso me surpreendeu, mas não me chocou, deixe-me colocar dessa forma. Eu não esperava, mas pude entender o porquê. No final do dia, o xadrez não é ginástica e patinação artística. Você não envelhece tão rápido, mas em algum momento, o tempo ainda age contra você também. Nós dois somos muito interessados no aspecto psicológico do jogo, e tivemos muitas conversas sobre isso. Eu acho que ele não tinha tanta motivação como pessoas como eu, e então assim é difícil competir.

Você também trabalhou como segundo para Vishy Anand no passado. O que o mantém ativo, com quase 50 anos?

Vishy é uma lenda do jogo e um fenômeno fascinante. Ele é de longe o jogador mais velho no topo e, de longe, o jogador mais forte de sua idade. Eu acho que sua principal vantagem em relação aos outros da sua idade é que ele é jovem de coração. Por exemplo, muitas pessoas da sua idade não aceitam mudanças. Eles param de fazer o download das versões mais recentes do software ou não atualizam seus aplicativos, como os jovens fazem. Mas Vishy é o tipo de cara que eu tenho certeza que atualiza todos os aplicativos em seu telefone. Em algum momento, o tempo vai basicamente prevalecer; isso é irreversível. Mas o fato de ele ter conseguido o que tem e permanecer lá por tanto tempo é porque ele é capaz de se reinventar e mudar a maneira como ele trabalha, a maneira como ele aborda as coisas, assim como uma pessoa mais jovem faz.

Você mencionou a ascensão do xadrez na internet. Como você se sente sobre as novas grandes competições on-line como a PRO Chess League e o Speed Chess Championship?

Eu acho que é uma ótima ideia que os jogadores possam jogar on-line. Isso torna os eventos muito fáceis de organizar porque os jogadores não precisam viajar. Eu acho que os problemas com possíveis trapaças são facilmente solucionáveis graças à webcam. Eu gosto do Speed Chess Championship, e o PRO Chess League também é uma ideia interessante. Eu joguei uma vez para o Chessbrahs, e muitos amigos meus jogaram, mas não tenho certeza sobre o formato. É um pouco complicado para mim, com todas as divisões e classificatórias. Mas em geral a ideia é muito legal e acho que no futuro haverá mais torneios online. Espero que haja mais prêmios substanciais, e assim eles ganharão força, o que pode permitir que mais jogadores ganhem dinheiro com o xadrez, não apenas entre os 20 primeiros, mas também entre os top 50, 100 e até 200. Então eu acho que quanto mais torneios, melhor.

Você já sentiu o crescimento de grandes sites como o Chess.com e o xadrez online mudou o jogo de alguma forma?

Com certeza. O mais importante é o aspecto da mídia social, que veio com isso. Eu imagino que para a geração anterior, a idéia de streaming dos seus jogos online seria muito estranha, mas a geração atual está se adaptando a isso, e muitos jogadores fazem isso muito bem, são muito divertidos de assistir. Hikaru é um grande streamer nos dias atuais, Magnus também faz isso ocasionalmente e é muito divertido. Maxime Vachier-Lagrave também faz isso. Mais jogadores farão isso no futuro.

Há algum espaço extra que o xadrez ocupa no mundo agora, através de todas essas possibilidades com Twitch e mídias sociais. Mas, ao mesmo tempo, ainda há todos os torneios tradicionais, então é bom que isso não está substituindo nada, mas é apenas algo a mais.

Uma partida com Anish Giri:

David Cox: Depois de ser esmagado por Wesley So, em apenas 24 lances (oficialmente uma "miniatura"), eu esperava que aterrar as peças brancas contra Anish me desse uma chance um pouco melhor de prolongar a disputa. Após uma vitória confiante na liga local (embora contra um jogador com rating FIDE 1846), eu estava me sentindo bem com o meu jogo, mas depois de perder uma ideia tática importante no início, logo fiquei na defensiva.

(Anotações do autor e, quando indicado, por Anish Giri)

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