É verdade que Alekhine negou revanche para Capablanca?
Essa é uma história na qual alguns admiradores do único campeão mundial latinoamericano, o cubano José Raúl Capablanca, querem acreditar. De acordo com o livro de Edward Lasker, The Adventure of Chess (Dover, 1959), ninguém aceitou o resultado do match de 1927 (quando Alekhine destronou Capablanca) como uma comparação fiel entre as forças desses jogadores, e, para muitos especialistas, o cubano teria reconquistado o título num match de desforra. Todavia --- ainda segunda Lasker ---, o novo campeão mundial tomou cuidado para que Capablanca jamais tivesse uma segunda oportunidade de enfrentá-lo.
Neste post, veremos que os fatos não são tão simples como parecem, o que descobri lendo sobre a história das “London Rules”.
Antes de mais nada, é preciso entender que, antigamente, o detentor do título mundial tinha muito mais poder do que hoje. Mesmo com o surgimento da Fide, em 1924, por décadas o campeão mundial pôde impor suas próprias condições para jogar contra um desafiante. Uma interpretação sobre o que aconteceu depois de 1927 é que Alekhine passou a usar seus direitos para não mais ter de defender o título contra Capablanca, o que relevaria uma atitude antiesportiva e até mesmo temor, por parte do russo*.
No entanto, para sermos justos, precisamos lembrar que, assim como Alekhine criou suas regras, o mesmo fizera Capablanca, em 1922, com as London Rules (que Alekhine teve de cumprir). Estas, além de determinar o formato do match pelo campeonato mundial, em sua oitava cláusula, diziam: “O campeão mundial não será obrigado a defender seu título por uma bolsa inferior a 10 mil dólares, em adição às despesas de viagem de ambos os jogadores e de suas despesas de estadia durante a realização do match” (o original em em inglês está disponível no portal <https://www.chesshistory.com/winter/extra/london.html>).
De acordo com o portal <https://www.dollartimes.com/inflation/>, US$10.000 de 1927 equivalem a US$173.303 de 2024. Esse foi o valor da bolsa finalmente paga, por um grupo de empresários e pelo presidente da Argentina, que sediou o match. Em relação às partidas desse confronto, Lasker (1959) diz que Capablanca e Alekhine tinham estilos diferentes; enquanto Capablanca tinha um estilo preciso --- gostava de se sentir no controle de para onde a partida caminhava --- Alekhine, assim como Emanuel Lasker, era mais romântico, não tendo receio de aventuras e complicações. As surpresas que o russo armava no meio jogo, junto ao fato de Alekhine nunca ter ganhado de Capablanca antes do match, certamente pegaram o cubano subestimando seu adversário.
Já em relação a preparação, ocorria algo bastante diferente. Enquanto Capablanca e Emanuel Lasker se aproximavam nesse sentido, pois ambos estudaram relativamente pouco depois de terem atingido a maturidade no xadrez, Alekhine, ao contrário, continuou dedicando de quatro a oito horas por dia para estudar partidas de outros jogadores e aprimorar as suas próprias.
Pode ser que Alekhine ficasse irritado com o estilo de Capablanca. Depois de derrotá-lo, o que o mestre russo fez teria sido apenas reciprocidade, cobrando de Capablanca as mesmas exigências que o cubano determinou nas London Rules --- Esta é outra versão possível sobre o que aconteceu depois de 1927. Mas parece haver uma diferença significativa: as London Rules foram acordadas por vários mestres presentes no congresso de Londres de 1922 (incluindo Alekhine), enquanto Alekhine não consultou ninguém sobre a razoabilidade de se exigir que Capablanca arranjasse a mesma bolsa de 10 mil dólares, mesmo com a crise econômica gerada pela Grande Depressão. Por outro lado, há quem diga que Capablanca também fez “corpo mole” nas negociações para o match de revanche, uma vez que muitos acreditavam que ele ainda era o melhor do mundo, o que poderia ter rendido apoio financeiro de patrocinadores, mesmo com a crise que existia. Capablanca também teria voltado atrás em datas propostas a Alekhine para os dois jogarem, o que também teria atrapalhado as negociações.
Certamente, mais de um fator contribuiu para que os dois não mais se enfrentassem pelo título mundial: antipatia mútua, má vontade, falta de patrocínio, calendários incompatíveis … Cada um pode tirar suas próprias conclusões hoje, mas nada irá tirar a epicidade da rivalidade Capablanca-Alekhine, nem a grandiosidade desses dois jogadores.
*Alexander Alekhine nasceu na Rússia, mas ele se tornou cidadão francês e defendeu a França como jogador de xadrez.