Fabiano Caruana: O Que Deu Errado?
O confronto do campeonato mundial terminou e faz agora parte da história do xadrez. Tal como qualquer evento importante de xadrez, este forneceu muito sobre que reflectir.
Para muitos fãs de xadrez a principal conclusão sobre o confronto é de que algo deve ser mudado de modo a não termos confrontos do campeonato mundial onde todas as partidas ficam empatadas. Enquanto eu não esteja particularmente satisfeito com 12 empates consecutivos na parte clássica do confronto, eu prefiro concentrar-me nas partidas. Os leitores da minha crónica sabem que eu considero Magnus Carlsen um génio, portanto é "missão impossível" de o derrotar num confronto. Ainda assim, Fabiano Caruana foi um adversário digno, e que na minha opinião era capaz de derrotar Carlsen. Portanto, o que deu errado?
Acontece que eu estava absolutamente correto na minha previsão do confronto. Eu previ que nós não veríamos a Berlim no confronto uma vez que Carlsen iria preferir posições desequilibradas, visto que depender em técnica pura não deu muito bom resultado para ele contra Caruana. De facto, o campeão mundial escolheu a Siciliana Sveshnikov que conduz geralmente a um jogo dinâmico e cortante. Eu penso que essa foi uma decisão brilhante que em última análise decidiu o destino do confronto!
Deixa-me explicar o meu raciocínio.
Caruana dirigindo-se à audiência na cerimónia de encerramento do campeonato mundial. | Foto: Maria Emelianova/Chess.com.
Num confronto do campeonato mundial, o objetivo da abertura não é de ganhar uma posição vitoriosa logo desde o início. Isso é simplesmente irrealista! Eu creio que foi Tigran Petrosian quem disse que durante a sua preparação para o confronto do campeonato mundial ele não viu como obter uma vantagem a jogar de Brancas e ao mesmo tempo ele não viu como igualar a jogar de Pretas!
Isso é especialmente verdade hoje em dia, quando computadores equilibraram em grande parte a preparação de aberturas e por isso obter até uma pequena vantagem a partir da abertura já é um enorme sucesso. Assim, o verdadeiro objetivo da abertura é de obter uma posição de meio-jogo que corresponde ao teu estilo e que idealmente não se adapta ao estilo do teu oponente. Quando eu era um estudante da escola Botvinnik-Kasparov, Garry Kasparov contou-nos muitas histórias fascinantes sobre o acabado de concluir confronto que fez dele o mais jovem campeão mundial na história.
Eu recordo-me de como ele descreveu o lance 15.g4 jogado por Karpov na partida decisiva do confronto:
Kasparov disse que embora este tenha sido o produto de preparação de casa, a expressão facial e a linguagem corporal de Karpov estavam a indicar que Karpov estava desconfortável. Sim, ele sabia que o lance era bom, mas para a última partida em que Karpov estava numa situação em que era obrigatório vencer, o lance não cabia no estilo de Karpov. Ele acabou por pagar o preço de jogar uma posição "estrangeira."
Não é uma grande surpresa que na posição crítica da partida, onde o lance 23. f5! daria às Brancas um ataque praticamente imparável, Karpov gastou apenas três minutos e jogou um lance profilático 23.Be3?!
Sendo um jogador prático e uma pessoa muito esperta, Karpov aprendeu do seu erro e nunca mais jogou a Siciliana (ou mesmo 1.e4) contra Kasparov! Tu vês, ele nunca jogou a abertura que lhe dava uma posição praticamente vitoriosa porque ele se apercebeu que esta abertura em particular não se adaptava ao seu estilo.
Kasparov descreveu corretamente a discrepância entre a cortante Defesa Siciliana e o estilo posicional de jogo de Karpov. Por isso eu nunca consegui perceber porque é que ele próprio cometeu o mesmo erro e continuou a jogar o final da Berlim no seu confronto vs. Kramnik.
Esta estranha e ilógica decisão, acabou por lhe custar a sua coroa mundial!
Como pôde Kasparov jogar a quinta Berlim consecutiva quando ele estava numa situação em que era essencialmente obrigatório vencer? Não existe simplesmente espaço para a famosa criatividade de Kasparov neste deserto seco.
Voltemos ao último confronto do campeonato mundial. Na minha opinião Caruana meteu-se numa situação semelhante com a Siciliana Sveshnikov. O seu programa de computador prometia-lhe uma vantagem a partir da abertura, mas tu tens de ser um computador para jogar como um computador. Eu sei, esta é uma declaração profunda. Infelizmente, hoje em dia quando jogadores de xadrez gastam horas com os seus programas favoritos de xadrez, eles por vezes esquecem que nós não somos computadores!
Uma ilustração disso é um grande mestre que criticou severamente tanto Carlsen como Caruana na sua página do Facebook. Ele estava a perguntar retoricamente como era possível ter jogado 24.h3?? na seguinte posição:
Ele também não podia acreditar como Carlsen pôde concordar com um empate na última partida numa posição absolutamente vitoriosa:
Eu não estou a brincar contigo, ele realmente deu um ponto de interrogação duplo ao lance 24.h3 de Caruana e insistiu que a posição de Carlsen na 12ª partida não era apenas vitoriosa mas completamente vitoriosa! Eu desejaria que este grande mestre jogasse ele próprio aquela "posição completamente vitoriosa" contra Caruana e ver quantos pontos é que ele iria marcar.
Infelizmente, Caruana também foi surpreendido até certo ponto pela avaliação de computador; doutro modo ele não teria continuado a jogar a mesma linha vez após vez. Quando pediram a Botvinnik por conselhos antes do confronto Fischer-Karpov, o Patriarca disse: "Fischer deve ser restringido continuamente!"
Exatamente o mesmo pode ser dito sobre Carlsen. Eu não chamaria à seguinte partida de "restringir Carlsen." Esta é simplesmente o oposto!
Portanto, como poderia Caruana derrotar a variante Sveshnikov de Carlsen? Bem, se eu soubesse como derrotar Carlsen, eu provavelmente jogaria o confronto do campeonato mundial eu próprio. A minha suposição é que uma seguinte variante da Siciliana Sveshnikov dá às Brancas mais chances de limitar o oponente:
Sim, Giri não conseguiu muito com a abertura, mas computadores modernos conseguem achar novas ideias em quase qualquer posição, portanto tu tens apenas de te certificar que a posição se adapta em geral ao teu plano de batalha!
Olha por exemplo para a seguinte ideia inacreditável jogada nesta variante:
Eu ainda não consigo acreditar que este fantástico sacrifício posicional dê resultado! A propósito, esta partida é outra demonstração duma escolha muito ruim de Kasparov no seu confronto do campeonato mundial vs. Kramnik. Tu não podes simplesmente jogar desta maneira num final da Berlim!
Mesmo antes do confronto vs. Carlsen, Fabiano Caruana era um jogador de xadrez quase perfeito, com um conhecimento superior de aberturas, capacidades fantásticas de cálculo e uma técnica impecável. O confronto ofereceu a Caruana uma experiência inestimável. Na sua próxima tentativa do campeonato mundial, Caruana será ainda mais perigoso!
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