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Xadrez: O Jogo da Espera?
Será o xadrez uma distracção bem vinda enquanto estamos à espera, Ou é xadrez distraído demasiado frustrante?

Xadrez: O Jogo da Espera?

louisathomas
| 53 | Diversão e Curiosidades

O dia em que a minha filha iria nascer estava a aproximar-se. Não havia muito que fazer para além de esperar. Outro dia passou. Eu não me conseguia concentrar no trabalho. Outro dia, e depois outro. Eu não conseguia escrever; as minha palavras estavam bloqueadas. Eu não conseguia dormir. Outro e outro. Quando eu tentava ler, a minha atenção vagueava. Outro dia, outro, outro.

Eu não conseguia jogar xadrez—ou talvez eu não devesse jogar xadrez, mas eu joguei.

Eu joguei xadrez muito mal. Tinha sido um hábito meu por já algum tempo de jogar uma partida rápida de 30-minutos todas as noites. Eu raramente perdia um dia. Eu normalmente tentava jogar numa altura quando eu me podia concentrar, quando eu podia dispensar uma hora e pensar em mais nada que Catalãs, mas eu jogava mesmo que isso significasse que os lances tinham de ser rápidos enquanto arquivava uma história com um prazo de entrega, ou jogava no meu telefone enquanto sentada num avião à espera que este levantasse vôo, ou, uma vez, sentada num recinto de ténis em Wimbledon.

Roger Federer at Wimbledon

Roger Federer em Wimbledon. | Foto: Louisa Thomas. 

A ideia por detrás das partidas rápidas era simples: o meu xadrez tinha eventualmente de melhorar com a disciplina diária. Os exercícios e táticas que eu fazia eram instrutivas, mas não eram um substituto para a coisa real. Eu precisava de adquirir experiência com pressão no relógio. Eu precisava de descobrir que repertório de aberturas melhor se adaptava ao meu estilo, e a melhor maneira de fazer isso parecia ser de tentar algumas diferentes com consistência durante um período de tempo. Por assim dizer, eu precisava de descobrir o meu estilo.

Eu tentei jogar e4, e depois mudei para a Najdorf. Eu desafiei a Grünfeld. Eu tentei a Escocesa e a Catalã, e desafiei os meus oponentes a dar-me Benonis. Todos os dias, depois da minha partida ter acabado, eu passava algum tempo a analisar a partida. Eu referia-me a livros de xadrez para ver algumas linhas recomendadas e linhas desencorajadas. Ocasionalmente, eu fazia isto num tabuleiro de xadrez verdadeiro. E quando eu tinha acabado com a minha própria análise, eu corria para a análise de computador, e via o que tinha feito bem e onde tinha errado.

As Brancas a jogar e mate em 99.

Estava a dar resultado, mais ou menos. O meu jogo estava a melhorar, senão constantemente, então com paragens e arranques. O meu rating online saltava, caía de volta, e estabilizava—mas eu estava confiante que se eu continuasse a trabalhar, este saltaria de novo. E assim este fazia. Eu tornei-me confortável com um par de aberturas diferentes, descobrindo onde as linha se tornavam complicadas e quando estas se tornavam enfadonhas. Eu comecei a ver certos padrões e a coordenar peças. Eu perdi muitas partidas por tempo, mas eu comecei a melhorar a minha gestão do relógio, especialmente no início das partidas, quando eu podia depender na teoria de aberturas em vez de ter de gastar tempo a calcular a partir do zero (pelo menos quando eu me conseguia lembrar da teoria de aberturas, o que era, confessadamente, raro).

Eu identifiquei algumas das minha maiores fraquezas (a minha má memória, a minha tendência para gastar tempo entrando em pânico, o meu hábito de não calcular uma linha até ao fim...eu podia continuar), e eu trabalhava em maneiras de as minimizar, senão de as superar totalmente.

clock calendar

À medida que a data do nascimento se aproximava, no entanto, eu achei-me com um desempenho pior e pior. Eu comecei a perder noite após noite. Eu perdia das maneiras com que sempre tinha perdido e inventava novas maneira de perder. Por vezes eu perdia logo na abertura. Por vezes, eu conseguia alcançar uma posição em vantagem dum peão, ou aplicar pressão numa coluna perigosa. Ocasionalmente, eu até obtinha a vantagem duma peça. Mas o meu hábito de fazer o lance preguiçoso, de desperdiçar uma boa posição, e dependurar um bispo, tornou-se pior e pior.

Algumas das partidas foram filmes de horror, demonstrações espetaculares de completa inépcia. Houve, por exemplo, uma ocasião quando o meu oponente desperdiçou mate—duas vezes—e acabou por me dar um cavalo (e, senão fosse por um erro meu, quase dois cavalos). Antes eu conseguia capitalizar da minha vantagem esmagadora, no entanto, eu devolvi o cavalo, cometi asneiras e perdi a vantagem, e tendo efetivamente perdido, fiz uma série de lances de pânico. Eu abandonei finalmente quando o meu oponente fez um garfo ao meu rei e dama.

Nenhuma vantagem, não importa quão grande, parecia a salvo.

Eu estava nervosa. A minha confiança foi-se abaixo. O meu moral estava pior. O meu xadrez não estava realmente a melhorar. De facto, eu estava a reforçar maus hábitos. Pior ainda, eu já não estava a gostar de jogar. Os dias foram passando, e o meu cérebro estava algures ocupado. Finalmente, eu aceitei uma verdade dura: por vezes, é melhor fazer uma pausa. O xadrez já existe há séculos. Ainda lá ia estar quando eu estivesse pronta para regressar a este.

Isso não me impediu de fazer táticas de xadrez quando eu por fim comecei a ter dores de parto. A dor vinha em ondas. Eu tentei treinar a minha atenção no pequeno rei movediço no meu ecrã. Enquanto o relógio andava, à espera que eu movesse o meu cavalo, eu contava os minutos entre as contrações. Todos os minutos pareciam durar horas; as horas eram vidas inteiras. Eram 23:00, e depois 24:00. Eu devia ter tentado dormir; eu sabia, é claro, que passariam muitos meses ou anos antes de eu poder dormir outra vez uma noite inteira. Em vez disso, eu comi torres e damas.

Eu perdi a maioria das táticas, tal como tinha vindo a perder a maioria das minha partidas. Talvez quase todas elas. Eu não me consigo recordar de quanto é que o meu rating caiu naquela noite, mas foi bastante. Algumas semanas mais tarde, eu iria apagar completamente a minha história de táticas, determinada a começar de novo. Mas naquela noite em particular, quando eu estava para dar à luz, eu não conseguia pensar mais do que um ou dois lances antecipados. Eu estava apenas a contar os segundos, movendo as peças, a tomar imprudentemente—fazendo o que podia para distrair a minha mente daquilo que estava a acontecer, por tanto tempo quanto eu pudesse.

O que estava a acontecer era impossível de ignorar por muito tempo. Na manhã seguinte, eu segurei no meu pequeno bebê choramingas. E por um breve momento, a minha mente voltou, mais uma vez, ao xadrez.

Ela é o meu rei, pensava eu enquanto a segurava, lavava e vestia. Ela é a coisa mais importante. Eu farei tudo aquilo que estiver no meu poder, eu sacrificarei tudo, para a apoiar e defender.

E depois, eu pensava para mi própria, ela será como um peão, aventurando-se em frente, um passo de cada vez. Então ela irá tornar-se num cavalo, saltando e rodopiando, dando cambalhotas desta ou daquela maneira. E depois um bispo, aventurando-se ainda mais longe, ousando coisas novas e distantes. Um dia, ela será como uma torre: forte, sólida, poderosa, movendo-se em linha reta e honesta, sabendo o que está certo, e o que era melhor deixar.

E finalmente, uma dama.

chess queen

Ela estava deitado sobre o meu estômago, a sua pequena cabeça contra mim, ambos os nossos corações batendo depressa. Sim, pensei eu para mim própria. Ela terá aquela força, aquele alcance, aquele poder. Um dia, ela será uma dama.

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Louisa Thomas é uma escritora Americana, autora de dois livros (incluindo Louisa: The Extraordinary Life of Mrs. Adams), uma colaboradora regular para  o NewYorker.com, antiga escritora e editora do Grantland.com, e "obcecada" com ténis e xadrez. Tu pode segui-la no Twitter. 


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