Nona Gaprindashvili processa Netflix por difamação em 'O Gambito da Rainha'
A GM Nona Gaprindashvili abriu um processo contra a Netflix por invasão de privacidade e difamação depois que uma fala da série O Gambito da Rainha sugeriu falsamente que ela jogava apenas contra mulheres.
A quinta campeã mundial de xadrez feminino pediu mais de cinco milhões de dólares de indenização. O processo afirma ser uma "falsidade devastadora, minando e degradando suas realizações diante de um público de muitos milhões".
O processo é sobre uma fala no último episódio da série de grande sucesso que ganhou dois Globos de Ouro no início deste ano e que deve ganhar vários prêmios no Emmy Awards de 2021, que será no próximo domingo, dia 19 de setembro.
Durante um torneio em Moscou, enquanto a protagonista está jogando, um comentarista diz: "A única coisa incomum sobre ela, realmente, é seu gênero. E mesmo isso não é único na Rússia. Há Nona Gaprindashvili, mas ela é a campeã mundial feminina e nunca enfrentou homens".
Isso, no entanto, está longe de ser verdade e até um tanto irônico. Gaprindashvili, agora com 80 anos, que ainda joga em torneios seniores, é na verdade a primeira jogadora a ganhar o título de Grande Mestre "absoluto", que conquistou em 1978. Além de deter o título de campeã mundial feminina por 16 anos (1962-1978), a lenda do xadrez georgiano também jogou em torneios abertos e enfrentou muitos homens, incluindo três campeões mundiais: os GMs Mikhail Tal, Boris Spassky e Viswanathan Anand.
Na cobertura sobre o processo, o The New York Times menciona que a manchete de uma das suas matérias de 1968 diz: "Xadrez: Gaprindashvili venceu sete homens em um torneio forte".
O jornal cita Gaprindashvili em uma recente entrevista em vídeo organizada por seus advogados: “Eles estavam tentando fazer essa personagem fictícia que estava abrindo caminho para outras mulheres, quando na realidade eu já tinha desbravado o caminho e inspirado gerações... Foi uma experiência insultuosa. Esta é a minha vida inteira que foi riscada como se não fosse importante."
Curiosamente, o romance The Queen's Gambit de Walter Tevis (1983), no qual a série foi amplamente baseada, não afirma que Gaprindashvili nunca enfrentou homens. Na verdade, o livro diz: "Havia Nona Gaprindashvili, não ao nível deste torneio, mas uma jogadora que já havia encontrado todos esses grandes mestres russos muitas vezes antes."
O processo de 25 páginas, disponível online aqui, afirma que a personagem de Beth Harmon "claramente se baseia" nas conquistas de Gaprindashvili: "Harmon é, em muitos aspectos, uma versão americanizada e ficcional da prodígio georgiana da vida real, que foi a primeira a romper a barreira de gênero no xadrez internacional na década de 1960, competindo e derrotando os melhores jogadores do sexo masculino".
O Gambito da Rainha foi assistido por mais de 62 milhões de famílias apenas no primeiro mês após seu lançamento. Em parte por causa desse grande sucesso, o processo afirma que a fala que ela "nunca enfrentou homens" causa dano profissional a Gaprindashvili:
"As falsas declarações causaram humilhação pessoal, ansiedade e angústia a Gaprindashvili, bem como danos aos seus lucros e rendimentos e à sua capacidade contínua de se envolver na sua subsistência profissional no mundo do xadrez. Assim, ela sofreu 'danos especiais' em forma de perdas pecuniárias e oportunidades de negócios perdidas de não menos de $75.000, e danos gerais [sic] de não menos de $5.000.000, todos a serem estabelecidos no julgamento [sic]."
O produtor da série fez a seguinte declaração: "A Netflix tem o maior respeito pela Sra. Gaprindashvili e sua ilustre carreira, mas acreditamos que essa afirmação não tem mérito e defenderemos vigorosamente o caso".